terça-feira, 24 de junho de 2014

A incrível geração de homens que deu mau exemplo às mulheres.

Tem circulado pelo facebook um ótimo texto de Ruth Manus sobre como a sociedade moderna e o molde tradicional de família não estão preparados para a mulher independente moderna. (Link abaixo)
Muita gente tem compartilhado o texto, especialmente mulheres modernas independentes.

Particularmente, o texto me incomodou.

Por favor, não me julgue machista, pois sou justamente o contrário. Eu creio, sim, que a sociedade tem que se esforçar em reduzir a diferenciação entre homens e mulheres, nas relações pessoais, políticas, profissionais e tudo o mais. Concordo, sim, que a visão tradicional de "homem provém sustento" e "mulher cuida da casa e filhos" é medieval, opressiva e machista, se não for exagero chamá-la de escravagista. Defendo, sim, a relação homem-mulher como uma relação de coleguismo, e não dependência ou superioridade.

Concordo plenamente com Ruth quando escreve que "Nós queremos um companheiro, lado a lado, de igual pra igual. Muitas de nós sonham com filhos. Mas não só com eles. Nós queremos fazer um risoto. Mas vamos querer morrer se ganharmos um liquidificador de aniversário.".

Concordo plenamente com ela ao apontar a incoerência de expectativas da sociedade para a mulher. Ruth não poderia estar mais correta ao escrever que "criam filhas para o mundo, mas querem noras que vivam em função da família".

Mas, discordo do texto na construção da figura de "mulher autônoma", e que esse seja o caminho correto para as desigualdades.

Entenda, durante séculos ou milênios houve a predominância do homem como dono da casa, dos pertences, dos filhos e da mulher. A mulher era um serviçal que oferecia um bônus de intimidade sexual, e ainda trabalharia de graça.

Esse molde medieval impera ate hoje, e é visível nos desabafos das mulheres que reclamam que o marido não ajuda, ou na divisão de tarefas, muda, sem palavras e implícita, que resulta na mulher cuidar de toda a casa, mesmo que ela também trabalhe fora.

O resultado desse molde é uma mulher sobrecarregada, e relegada a tarefas de "menor valor", e é contra isso que surge a mulher "autônoma moderna", que não gosta de cozinha, não cuida da casa, compete com homens no mercado de trabalho, tem opinião, tem estilo, tem hobbies e ambições.

É a mulher que quer o espaço que era exclusivo dos homens.

Isso é justo? Não. Porque esse espaço dos homens é um erro, desde o princípio. Esse espaço nem deveria existir.

Me preocupa quando a Ruth escreve "Não tivemos aula de corte e costura. Não aprendemos a rechear um lagarto. Não nos chamaram pra trocar fralda de um priminho. Não nos explicaram a diferença entre alvejante e água sanitária. Exatamente como aconteceu com os meninos da nossa geração." Ou seja, estamos cometendo com as meninas o mesmo erro que cometemos tradicionalmente com os meninos.



As mulheres "autônomas" competem com o homem pelo direito de serem igualmente omissas às necessidades da vida, ao invés de cobrarem a participação dos homens, que se omitem dos cuidados com a casa e os filhos.

Todo "direito" de um, implica na "obrigação" de outro. E é complicado quando é negado ao outro os mesmos direitos que você.

O falso direito masculino de não cuidar da casa deu às mulheres a obrigação de cuidar de tudo sozinhas, e isso estava errado (e ainda está, até hoje).

Se dermos o direito às mulheres de também não cuidar das casas, o direito de também não cozinhar, quem vai cozinhar e cuidar da casa? A resposta óbvia é: o restaurante e a empregada . Porque mulher moderna e autônoma tem empregada, faz academia, trabalha e come fora. Mulher moderna e autônoma tem a mesma desculpa sagrada dos homens de "ser muito ocupada para cuidar da casa" e "não dá tempo".

O problema é que, lá dentro do restaurante, e na sua sala, passando o aspirador, vai ter outro homem ou mulher, que não teve a mesma chance que você de estudar e ser "autônoma", fazendo o trabalho que você tem o "direito de não fazer". (Vide anexo no final do texto)



Você percebe que a sua autonomia só pode existir enquanto outras pessoas não puderem ser autônomas como você?

Que tipo de autonomia é essa que precisa pagar para que outros façam o que você não aprendeu a fazer? Isso não é autonomia, isso é uma profunda dependência.

É a dependência vergonhosa na qual os homens se enfiaram a milênios, e agora, algumas mulheres querem o direito de serem vergonhosamente dependentes também.

Não entenda mal. Mulheres, invadam, sim, o território sagrado masculino o mercado de trabalho e cultura. Assistam UFC e futebol, façam faculdade, sejam donas de empresas, sejam ocupadas, mas não abandonem o território sagrado feminino, pois ele é muito mais importante e fundamental do que o território de "sofá e cerveja" masculino. E cobrem que os homens também aprendam e façam o mesmo.



Casal autônomo e moderno é aquele que cozinha em conjunto, cuida das crianças em conjunto, e esfrega o chão junto. Casal que come fora, tem babá e empregada é dependente, e precisa pagar porque não sabe ou não é organizado o suficiente para fazer.

Os homens sempre tiveram muito a aprender com vocês. Por favor, mulheres, não se rebaixem ao nosso nível. Pelo contrário, nos ensine a viver no nível de vocês.



Caso o ódio no seu coração esteja querendo me crucificar, provavelmente você não entendeu meu ponto de vista.

Eu acredito na igualdade de dignidade e capacidade física e intelectual entre homens e mulheres. Não tenha dúvida disso. Mas acredito que cuidar da casa, limpar o chão, cuidar dos filhos, é obrigação de AMBOS, homem e mulher. Nenhum dos dois tem o direito de não fazer.

Me incomoda os incentivos ao estilo de vida de shopping, livros, internet, comer fora, empregada e etc. É um estilo de vida que só existe para a classe média, às custas das classes mais pobres. Promover uma independência feminina nesses moldes, ao meu ver, é desrespeitoso com as outras mulheres que serão sacrificadas para isso.

Acredito que a "liberdade" e autonomia da pessoa está tanto no "conhecer o mundo" quanto no "controlar o mundo". Tenho muita dificuldade de enxergar como "autônomos" essa geração de homens e mulheres que viajam, leem, opinam, estudam, mas consomem comida sem cozinhar, usam roupas sem costurar, moram em casas de tijolos sem construir. Como eu já disse, isso é dependência, não autonomia.

Esse trabalho "sujo" e "indigno" de "gente que não estuda" é o pilar da sociedade. Muitos homens já se alienam a isso, não gosto de ver que mulheres também estão cometendo esse erro.

Ruth Manos quer que "fique claro, nós não vamos andar para trás. Então vai ser essa mentalidade que vai ter que andar para frente."

Aprender a cozinhar, costurar, limpar a casa, "diferenciar alvejante de água sanitária" e "rechear um lagarto" é um "andar para trás" que todo homem deveria saber também, e toda mulher (ou pessoa) que sabe deveria ter orgulho.


ANEXO

Quando você leu meu texto dizendo que sua "autonomia" custa a autonomia de outra pessoa, provavelmente deve ter pensado que "Não, as pessoas no shopping cozinham porque querem".

Não, amigo(a). Cada pessoa consome, diariamente, entre um e dois quilogramas de comida. Só a cidade de São Paulo - SP tem 11,82 milhões de pessoas. Isso implica em mais de 23 mil toneladas de comida sendo cozinhada todo dia. Se nossa alimentação dependesse dos jovens Gourmets e Chefs que fazem faculdade de gastronomia, estaríamos mortos de fome. Só sobrevivemos por que tem gente que aprendeu a cozinhar contra a vontade (a grande maioria, por que nasceu menina e a mãe ensinou "por que é coisa de mulher", infelizmente). Graças a Deus essas boas almas existem, e carregam nossa sociedade nas costas.

Cozinhar não é opção. Cozinhar é necessidade, assim como tomar banho, cortar a unha do pé, amarrar o cardaço e se limpar ao ir ao banheiro. Você tem que aprender, ou tem tem que dar a sorte de ter alguém que saiba do seu lado.

Se ninguém souber, se todas as mulheres e homens se tornarem "independentes" a sociedade desmorona. Só temos dois caminhos: Ou todo mundo aprende a cozinhar, ou uma parcela FOLGADA se pendura na parcela que SABE FAZER as coisas. Temos muitos folgados já, os homens já estão nessa parcela erroneamente, não acho que devamos incentivar as mulheres a entrarem nessa onda. O esforço tem que ser no sentido de tirar os homens desse parasitismo.

E isso com o assunto de cozinhar. Se entrarmos nos exemplos de limpar a casa, lavar a roupa e limpar ramela de criança, fica ainda mais difícil de querer argumentar que "eu tenho o direito de pagar para quem quer fazer por que gosta". Não existe quem goste dessas coisas. Só existe quem sabe, por que aprendeu à força, por que é necessário.


Comentários

Durante a semana em que eu construía este meu texto, que tenta olhar a questão de um ponto de vista mais social (não gosto da abordagem de 'briga de estereótipos'), várias respostas em blogs surgiram, como a do SubstantivoVolátil e a do Tudo Para Homens.

Particularmente, não gosto da postagem do "Tudo para homens", apesar de criticar esse conceito de "independência" como eu, pois não gosto da linha argumentativa de "se um lado pode fazer errado, o outro pode também".

Mas gostei muito da postagem do Machos de Respeito, que mostra a dificuldade simétrica no homem moderno, (EDIT) e gostei bastante também da postagem do Pronto Dois Pontos, que apresenta a visão de uma mulher contemporânea que não deixou de aprender nada.

2 comentários:

  1. Leandro, seu texto é profundo. Essa análise é maravilhosa. Achamos que autonomia é ter dinheiro para pagar. E estamos todos presos a status, a dinheiro e orgulhosos por uma sociedade menos humana e mais objeto. Que pena. Talvez por isso o mau do século seja a depressão, o vazio e a solidão. Queremos agradar ao mundo e não sabemos nem ao menos a que mundo pertencemos. Também escrevi sobre.
    Super aprovado. Continue escrevendo muito!

    ResponderExcluir